De colono a agricultor independente.
Estabilizando a vida.
Depois de três ou quatro anos no cafezal, a vida do imigrante começava a adquirir estabilidade. Por exemplo: na Fazenda Sobrado, que acolheu alguns dos imigrantes da primeira leva, ganhava-se em média somente 910 réis por dia (o equivalente a 0,54 iene. Vale a pena lembrar, um riquixá ganhava, em 1902, entre 0,40 e 0,50 ienes por dia). Uma vez acostumados ao trabalho, os imigrantes ganhavam, em novembro de 1908, entre 0,60 e 1,20 ienes por dia.
Mesmo nas fazendas onde o valor pago fosse menor, era possível cultivar nos dias de folga outras espécies (tais como arroz, milho, feijão, cana-de-açúcar e hortaliças) entre os pés de café ou em terras mais afastadas do cafezal e criar animais, transformando o excedente numa espécie de “renda extra”.
Três anos depois, na mesma fazenda (isto é, em julho de 1911), era possível juntar cerca de 1.200 mil réis por ano (o equivalente a 840 ienes), podendo ser subtraídos dessa quantia entre 350 e 420 ienes para serem enviados ao Japão; a situação nas outras fazendas era mais ou menos similar.
A independência através da agricultura por conta própria.
Começaram, então, a surgir os primeiros agricultores independentes, que adquiriam lotes de terras usando o dinheiro acumulado durante o trabalho nas fazendas, ou, mesmo que não tivessem acumulado uma soma muito vultosa, formavam parcerias (dando origem à chamada “agricultura de parceria”), alugavam as terras ou compravam-nas a prestações (como muitos tencionassem retornar ao Japão tempos depois, havia indivíduos que consideravam a aquisição das terras como um prejuízo a ser evitado).
Tem-se registro de uma família de três pessoas que, três anos depois da chegada dos primeiros japoneses às fazendas de café — isto é, em 1911 —, já usufruía da propriedade de 10 hectares, originalmente ocupada pela mata nativa, arrendada nas cercanias de Itu (cf. relatório redigido pelo então ministro-residente Toshirō Fujita ao Ministério em julho de 1911)
.Conta-se que, no mesmo ano, já havia famílias de japoneses praticando a agricultura por conta própria na Colônia Monção, criada pelo governo federal entre as estações de Agudos e Cerqueira César, na estrada de ferro Sorocabana (segundo o relatório redigido pelo cônsul-geral do Japão em São Paulo, Sadao Matsumura, em março de 1915, em 1910 três famílias da província de Nagasaki já estavam estabelecidas na Colônia Monção).
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Panorama da imigração japonesa no Brasil em 1915
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Panorama da imigração japonesa no Brasil em 1916
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Artigos de jornais / revistas
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Antes de dar início às atividades, é forçoso derribar a mata virgem
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Panorama da colheita do café
A formação dos núcleos de colonização japoneses.
Desse momento em diante, agricultores japoneses independentes já estavam distribuídos por diversas regiões, chegando a 400 o número de famílias somente no estado de São Paulo em fins de 1915 (cf. relatório enviado pelo cônsul-geral Sadao Matsumura em janeiro de 1916).
Inseguros com as palavras e imersos numa sociedade de costumes tão diversos como a brasileira, via de regra os imigrantes japoneses concentravam-se nas mesmas frentes de colonização.
Nos lugares onde havia japoneses, outros japoneses chegavam e, dessa maneira, iam-se formando os núcleos de colonização de japoneses em São Paulo.
Fosse por afinidade ou por solidariedade mútua, sempre era fundada uma associação japonesa no núcleo recém-formado. Antes de mais nada, era preciso construir uma escola onde os filhos dos imigrantes ou aqueles que emigraram ainda na infância pudessem ser educados na língua japonesa, de modo que, quando retornassem ao Japão, não deparassem com maiores problemas.
Dentre os núcleos de colonização fundados pelos japoneses durante esse período, são dignos de nota:
arredores de São Paulo
Região de Juqueri.
O primeiro imigrante japonês teria chegado em Juqueri, situada a cerca de 33 km ao norte da capital, em 1911 (Takezō Mamizuka, imigrante do Ryojun-maru), onde tornou-se cultivador de batata. Em outubro de 1913, Chōju (?) Akimura e outras 9 famílias teriam adquirido lotes de terra em Juqueri. Anos mais tarde, foi estabelecida a Cooperativa Agrícola do Juqueri, que no pós-guerra transformar-se-ia no principal reduto da imponente Cooperativa Agrícola Sul-Brasil [Nampaku Nōgyō Kyōdō Kumiai Chūō-kai].
Vila Cotia.
Em 1913, alguns imigrantes egressos da Fazenda Guatapará juntaram-se a um grupo de jovens solteiros, a maioria carpinteiros, que viviam na cidade de São Paulo, alugaram as terras do Moinho Velho, que pertenciam a uma igreja nos arredores do município paulista; ali eles se dedicaram ao cultivo da terra e, tempos mais tarde, fundou-se lá um núcleo de colonização japonês chamado de Vila Cotia. Durante muito tempo, as terras do Moinho Velho foram exploradas de maneira primitiva, sem que fossem aradas após as queimadas ou sem o uso de fertilizantes; ao limparem a terra utilizando arados, como se faz corriqueiramente no Japão, e recorrerem mais tarde ao uso de adubos químicos (inicialmente os adubos empregados eram de origem animal; os adubos químicos só foram introduzidos em 1923), grandes volumes de batata passaram a ser destinados aos mercados da capital, fazendo da iniciativa um grande sucesso do ponto de vista econômico.
Também neste núcleo de colonização foi criada uma cooperativa agrícola, a Cooperativa Agrícola de Cotia, que se desenvolveu durante os anos de guerra e o pós-guerra e tornou-se a maior cooperativa agrícola da América do Sul.
ao largo da estrada de ferro Noroeste
Colônia Hirano.
Umpei Hirano, um dos “Cinco Intérpretes” que acompanhou os imigrantes do Kasato-maru às fazendas de destino, foi inicialmente enviado à Fazenda Guatapará, onde foi promovido a vice-administrador; lá ele recrutou, entre imigrantes japoneses da própria Fazenda Guatapará e de outras fazendas, cerca de 200 famílias dispostas a desbravar uma área inexplorada de 1.620 alqueires (=3.920 hectares) que ele adquirira (a Colônia Hirano), situada às margens do rio Dourado, a 13 km a nordeste da estação de Presidente Penna (mais tarde rebatizada “Cafelândia”), esta, por sua vez, situada a 125 km da estação de Bauru, na estrada de ferro Noroeste. Em agosto de 1915, os primeiros desbravadores entraram na mata virgem e, em dezembro do mesmo ano, 82 famílias ocuparam a área, dedicando-se ao cultivo do arroz. Contudo, em novembro, foram surgindo os primeiros casos de malária, enfermidade que, até fevereiro do ano seguinte, confinaria quase todos os imigrantes ao catre. Conta-se que cerca de 80 pessoas morreram em decorrência da moléstia, fazendo deste um dos episódios mais tristes da imigração japonesa no Brasil.
Justamente por ser uma área baixa e alagadiça, essa região fora escolhida por se mostrar propícia ao cultivo do arroz; os imigrantes, porém, ignoravam o fato de que áreas como essa eram focos de propagação da malária.
O sofrimento dos imigrantes, porém, parecia não ter fim. Em 1917, a plantação foi atacada por uma grande nuvem de gafanhotos, que consumiu toda a cultura, e em 1918, a região foi afetada por uma terrível seca. Até que, em fevereiro de 1919, o próprio Umpei Hirano faleceu, aos 34 anos de idade.
Os desbravadores, contudo, superaram o que parecia insuperável; mais tarde, já completamente desbravada, a colônia logrou grande sucesso na plantação de café e algodão.
Colônias Uetsuka-I e Uetsuka-II.
Shūhei Uetsuka, que fora representante da C.ia Imperial de Emigração no Brasil, adquiriu em 1918 um lote de terras de 1.400 alqueires (=3.388 hectares) em Itacolomy — que dista cerca de 4 km da estação de Heitor Legrú (mais tarde rebatizada como “Promissão”), a noroeste de Lins, na estrata de ferro Noroeste —, onde fundou a Colônia Uetsuka-I. Conta-se que a colônia atraíra um grupo de jovens veneradores de Uetsuka.
Em 1922, Uetsuka fundou a oeste de Lins a Colônia Uetsuka-II.
Colônia Birigüi.
Em derredor da estação de Birigüi (estrada de ferro Noroeste), que dista 260 km de Bauru, foi fundada, em 1913, a Colônia Birigüi, numa área de 50 mil alqueires (=120 mil hectares) que a Companhia de Terras, Extrativismo e Colonização havia explorado. Em 1915 chegaram os primeiros japoneses a esta região e, em 1916, o jovem Hachirō Miyazaki foi eleito para o cargo de diretor da Seção Japonesa.
Desde então, muitos japoneses receberam apoio para mudar-se para a colônia, de modo que, em 1923, a região já abrigava 296 famílias japonesas.
Colônia “Baibem” e Colônia Brejão.
Ken’ichirō Hoshina, conhecido como o fundador do primeiro jornal de língua japonesa no Brasil, o Semanário “América do Sul” [Shūkan Nambei], criou, em 1917, a Colônia “Baibem” e, em 1918, a Colônia Brejão, ambas nos arredores da estrada de ferro Sorocabana.
As terras postas à venda eram anunciadas em seu próprio jornal. Muitos imigrantes morreram durante os anos iniciais da Colônia Brejão em decorrência de doenças endêmicas, desnutrição e tuberculose somada ao excesso de trabalho.
outros estados
A cultura do arroz no Triângulo Mineiro.
À margem direita do rio Grande, situado na região conhecida como “Triângulo Mineiro”, no lado oeste de Minas Gerais — estado que faz fronteira com o norte de São Paulo —, alguns japoneses egressos das fazendas de café paulistas foram dedicar-se ao cultivo do arroz.
Conta-se que, por volta de 1919, o número de famílias japonesas na região chegava a 410, mas muitas dispersaram-se pelas quatro direções quando da crise econômica provocada pela I Guerra Mundial e do esgotamento do solo.
Campo Grande: o pólo de aglutinação dos okinawanos.
Em Campo Grande, no Mato Grosso — estado que faz fronteira com o oeste paulista, fixaram-se muitos imigrantes que, saídos do Peru, passavam pela Bolívia e pela Argentina, subiam o rio da Prata e vinham trabalhar na construção da estrada de ferro Noroeste. Passado pouco tempo desde a chegada destes primeiros imigrantes, muitos okinawanos também foram atraídos para a região.
a cidade de São Paulo
Desde antes da chegada da primeira leva de imigrantes, alguns japoneses já viviam na cidade de São Paulo, exercendo funções como a de vendedor ambulante (vendedores de brinquedos), empregados de hotel, ou então os funcionários das Casas Fujisaki.
Havia, entre os imigrantes que vieram a bordo do Kasato-maru, carpinteiros e outros artesãos, os quais — assim como os imigrantes espontâneos — fixaram-se na cidade sem passar por outras regiões. Além destes, muitos imigrantes que fugiam das fazendas vinham para São Paulo, onde iam trabalhar como empregados domésticos, carpinteiros ou operários de fábrica.
Logo na primeira metade do decênio de 1910, alguns japoneses concentraram-se na rua Conde de Sarzedas (“Rua Conde”), ali formando um pequeno bairro japonês. Sem mais tardar, em 1914 foi fundada a Escola Japonesa Taishō.
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Livro
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Moradia provisória de um imigrante (Colônia Promissão)
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Shūhei Uetsuka, em frente ao monumento em homenagem aos dez anos desde o início do desbravamento
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Vida livre, enfim!
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Artigos de jornais / revistas