Capítulo 4 - A emigração vista como solução para as questões internas. (1)

As medidas de contenção e o combate ao desemprego e aos problemas demográficos.

Imigrantes subsidiados pelo Ministério do Interior.

Numa proposta enviada pelo Ministério do Interior ao governo do estado de São Paulo, em agosto de 1922, com o fito de incentivar a emigração para aquele estado, cogitava-se repassar às companhias de emigração civis (leia-se: KKKK) uma certa quantia pecuniária, a ser utilizada na instalação de unidades de ensino e saúde destinadas aos imigrantes, além de custear o traslado, a construção de moradias, os víveres necessários à subsistência e os trâmites burocráticos necessários para se emigrar, tendo a solução de problemas internos, como o desemprego e o crescimento demográfico, como fim último.

Com relação a cobrir os gastos com o traslado, houve forte oposição do Ministério das Relações Exteriores, que era o órgão responsável pelos assuntos emigratórios, alegando-se que os supostos benefícios trazidos pelo aumento no número de emigrantes eram duvidosos e que, ademais, as relações com outros países poderiam sofrer um impacto negativo. Por conta disso, o governo limitou-se a cobrir somente a comissão que a KKKK reservava para si e que era paga pelo próprio emigrante (cerca de 35 ienes para cada indivíduo adulto), não chegando a oferecer subsídios no ano de 1923.

Quando, porém, o governo dispôs-se a oferecer 200 ienes a cada emigrante maior de 12 anos (20 mil ienes a cada cem emigrantes) como medida provisória para estimular as vítimas do terremoto que abalou a região de Kantō, em 1924, a emigrarem para a América do Sul, verificou-se um aumento no número de candidatos. Como o oferecimento de subsídios se comprovasse um incentivo eficaz à emigração, foi aprovado pelo Parlamento um projeto que previa o acréscimo de 6,2 milhões de ienes (suficiente para custear o traslado de 3 mil indivíduos) à verba anual, apresentado na 49.ª assembléia extraordinária realizada em julho de 1924. O valor a ser oferecido como subsídio foi aumentado para cobrir o traslado de 5 mil pessoas, em 1926, e 7.750 pessoas, em 1927.

O aumento repentino no número de imigrantes.

Com o oferecimento de subsídios sendo oferecido a partir de 1924, o número de imigrantes começou a crescer rapidamente. Em 1930, após a Revolução Constitucionalista levada a cabo por Getúlio Vargas, foi decretada a Lei de Restrição à Imigração e Apoio aos Desempregados, que previa restrições à entrada de imigrantes que não viessem dedicar-se à agricultura. Como, porém, todo imigrante japonês era, oficialmente, agricultor, somente os imigrantes japoneses continuaram a entrar em grande número (o número de imigrantes autorizados oscilava entre 12 e 27 mil imigrantes por ano).

A Lei das Cooperativas de Emigração Ultramarina e o nascimento da BRATAC.

O debate ocorrido na assembléia imperial financeira.

Uma das pautas abordadas (Pauta n.º 8) pela assembléia imperial financeira, realizada entre os meses de abril e junho de 1924 sob a presidência de Keigo Kiyoura com o propósito de discutir, de forma sucinta, as políticas econômicas a serem adotadas, consistia na elaboração de um plano de estímulo à emigração a fim de solucionar a questão do crescimento demográfico, visto que a população crescia em 700 mil habitantes a cada ano. O fato de que dificilmente a emigração para o ultramar resolveria os problemas populacionais já era sabido, mas, na falta de outra solução para o problema, chegou-se à conclusão de que era necessário criar, com o dinheiro cedido pelo governo, uma companhia civil capaz de comprar terras no Brasil, que apresentava-se como um país adequado à colonização (a emigração para os Estados Unidos não era viável).

A criação da Lei das Cooperativas de Emigração Ultramarina.

A Sociedade Ultramarina de Shinano, mencionada no capítulo anterior como uma das responsáveis pela criação da Colônia Aliança, tinha planos de criar uma cooperativa para poder oferecer empréstimos aos imigrantes, de modo que estes pudessem adquirir suas próprias terras, e para tanto buscava respaldo na Lei das Cooperativas de Produção. No entanto, como tais atividades não se enquadrassem na referida lei, passou-se a desejar a criação de uma nova lei. Tendo isso em mente, o parlamentar Naotake Tsuzaki apresentou, começando em 1924, diversos projetos de leis que buscavam solucionar o problema; até que, em 1927, os Ministérios do Interior e das Relações Exteriores — que vinham mantendo uma posição contrária à criação da lei — apresentaram o “Projeto de criação da Lei das Cooperativas de Emigração Ultramarina”, aprovada com aval do governo no dia 30 de março.

Com a criação da lei, tornou-se possível que as cooperativas de cada província constituíssem colônias no Brasil e oferecessem empréstimos aos cooperados e seus familiares, de modo que estes pudessem adquirir terras nas colônias antes de emigrar. Quando a emigração se processava desta maneira, os imigrantes eram chamados “imigrantes empreendedores”.

As compras de terras feitas pelo diretor executivo Mitsusada Umetani.

As cooperativas de emigração ultramarina foram implantadas em julho de 1927 nas províncias de Okayama, Yamaguchi, Hiroshima e Mie e, no dia 1.º de agosto, foi formada a Federação das Cooperativas de Emigração Ultramarina. Isso feito, novas cooperativas foram surgindo nas demais províncias, até que, em 1928, as cooperativas já estivessem em 13 regiões administrativas.

Em dezembro de 1927, o diretor executivo da Federação, Mitsusada Umetani (ex-governador de Nagano), veio ao Brasil a fim de adquirir terras para a construção de uma colônia. Depois de examinar as terras disponíveis e fazer a escolha dos lotes, Umetani adquiriu, entre junho e novembro de 1928, terras em Bastos (12 mil alqueires), Nova Aliança (1.327 alqueires), Tietê (atual Pereira Barreto, 46.687 alqueires) e Três Barras, no Paraná (atual Assaí, 12,5 mil alqueires).

Com isso, a administração das colônias Aliança (sob controle da Sociedade Ultramarina de Shinano, Sociedade Ultramarina de Tottori e Sociedade de Emigração Ultramarina de Toyama) e Vila Nova (sob controle da Sociedade Ultramarina de Kumamoto) passou a ser feita pelas cooperativas de emigração instaladas em cada uma das províncias através do dinheiro que lhes era emprestado pelo governo.

Da emigração controlada pelas províncias a uma estrutura unificada.

Depois da vinda do diretor executivo da Federação ao Brasil para a compra de terras, houve uma forte oposição à idéia inicial da Federação, segundo a qual as instituições menores (as cooperativas de emigração) estariam subordinadas a uma instituição maior (a Federação) e, assim sendo, cada cooperativa deveria construir sua própria colônia para receber somente imigrantes daquela província.

Como uma medida desse gênero pudesse despertar o sentimento anti-japonês entre os brasileiros, os opositores defendiam a tese de que as colônias deveriam ser construídas de modo a permitir não só a entrada de imigrantes de diferentes províncias, mas também de brasileiros nativos, bem como de outros imigrantes estabelecidos no Brasil há mais tempo, afastando assim o surgimento do ódio racial.

Dando razão aos opositores, Umetani juntou-se ao embaixador japonês no Brasil, Akira Ariyoshi, e o cônsul-geral em São Paulo, Sukeyuki Akamatsu, com o fito de lograr uma mudança nos planos originais. Não se podia, no entanto, conceber tal mudança, uma vez que a empresa emigratória era uma criação do Ministério do Interior, que incorporava opiniões vindas do Ministério das Relações Exteriores, e que desde o início havia sido estruturada de modo que as terras destinadas à construção de núcleos coloniais fossem compradas em conjunto, mas as colônias fossem administradas segundo critérios regionais (por província). A solução deste impasse só foi possível depois da realização de várias reuniões entre os membros do Ministério do Interior, do Ministério das Relações Exteriores e os representantes de cada cooperativa, após o retorno de Umetani em outubro de 1928. Em 16 de janeiro de 1929, quando todos os envolvidos haviam chegado a um acordo, as diretrizes da empresa emigratória foram mudadas após a convocação de uma assembléia extraordinária.

Fundação da BRATAC.

Com a mudança nas diretrizes da empresa emigratória, foi criada, na forma das leis brasileiras, a Sociedade Colonizadora do Brasil Ltd.ª (conhecida como “BRATAC”), a fim de operar de acordo com os interesses japoneses no Brasil. O início das atividades se deu em 1.º de abril de 1929. Além da aquisição de terras, a BRATAC se ocupava da divisão das terras em lotes a serem vendidos para os imigrantes (tanto novos como os estabelecidos há mais tempo), da construção de estradas, pontes, escolas e hospitais nas colônias, da construção de fábricas de implementos agrícolas, empréstimos para os novos produtores e outras atividades que poderiam contribuir para a ascensão econômica e o bem-estar dos imigrantes.

Ao lado do consulado geral do Japão em São Paulo e da KKKK, a BRATAC era, segundo os jornais japoneses de São Paulo, um dos órgãos que exerciam a função de liderança dentro da comunidade japonesa no Brasil.

O recrutamento de agricultores independentes.

Com relação à distribuição dos lotes aos imigrantes, fixava-se o preço do hectare de terra em cerca de 50 ienes, podendo ser pagos em dez anos sem juros no caso de lotes com mais de 25 hectares. Para emigrar como colono, era necessário filiar-se a uma das cooperativas de emigração distribuídas em um certo número de províncias; aqueles que fossem naturais de outras províncias ainda poderiam ser registrados depois de transferir o seu domicílio oficial ou relocar-se temporariamente numa província que contasse com uma cooperativa própria. Como, no entanto, fosse necessário reunir o dinheiro necessário à subsistência até a próxima colheita, poucos foram os candidatos à emigração durante a Grande Depressão Econômica.

Nas colônias de Bastos e Tietê, o ingresso de imigrantes vindos diretamente do Japão já podia ser observado a partir do ano de 1929. Como, porém, muitos dos novos imigrantes ainda não estivessem aclimatados ao modo de vida do brasileiro, não foram poucos os casos de insatisfação nessas colônias, de modo que, quando teve início o recrutamento de colonos para o núcleo de Três Barras, inaugurado em 1932, somente indivíduos que já possuíssem experiência no Brasil foram aceitos.

A Colônia Bastos.

Os imigrantes que ingressaram na Colônia Bastos foram submetidos a uma difícil experiência, uma vez que o solo naquela região era constituído principalmente por bancos de areia, sendo portanto pouco fértil. O plano inicial previa o cultivo de café naquela colônia; porém, como os pés de café queimassem sob a geada dos anos de 1931 e 1932, e, além disso, fosse promulgada em novembro de 1932 proibindo o plantio de novos cafeeiros, a única saída encontrada pelos imigrantes foi dedicar-se ao cultivo de algodão. O algodão trouxe alguma prosperidade ao núcleo; como, porém, as remessas de algodão para o Japão fossem proibidas após o início da Segunda Guerra Mundial, a seda tornou-se o principal produto da região. Muitos imigrantes deixaram a região de Bastos após o fim da Segunda Guerra, pois, além da queda no preço do casulo do bicho-da-seda, houve também um declínio na qualidade do solo.

Além de Bastos, as colônias de Tietê (atual Pereira Barreto), Três Barras (atual Assaí) e Aliança também concentravam um grande número de nikkeis.

O Banco BRATAC.

Quando finalmente a situação das colônias pareceu entrar nos trilhos, em 1937, a BRATAC criou sua própria seção bancária e de comércio. Sob seu controle, estavam o Banco BRATAC (inaugurado em agosto de 1937) e as Indústiras Têxteis BRATAC (inauguradas em setembro de 1940). O Banco BRATAC surgiu como uma iniciativa pessoal de Yoshiyuki Katō; quatro filiais foram abertas em Bastos, Tietê, Araçatuba e Marília, regiões do estado de São Paulo que concentravam um grande número de japoneses. Em outubro de 1940, os fundos do banco aumentaram sensivelmente; surgia, então, o Banco América do Sul, estruturado nos moldes de uma empresa convencional. O Banco América do Sul viveu um período de intensa prosperidade no pós-guerra, sendo o principal banco da comunidade japonesa no Brasil.

<tabela: número de novos imigrantes> do volume Hatten-shi.

<os produtos cultivados pelos agricultores japoneses em função do tempo> da Pesquisa de campo.

Casa Tōzan.

Nesse período, através do capital fornecido por empresas japonesas de natureza civil, foram criadas a fazenda Nomura, no Paraná, em fins de 1926, como um projeto de exploração ultramarina concebido pela Nomura & C.ia do Japão; e, em 1927, foi fundada a Casa Tōzan, filiada ao complexo Mitsubishi (pessoa jurídica que atuava no Brasil em favor de interesses japoneses, concebida pela Tōzan Atividades Agrícolas do Japão). Tōzan era, em verdade, o pseudônimo usado pelo fundador do complexo Mitsubishi, Yatarō Iwasaki. A Casa Tōzan possuía um setor comercial, um setor imobiliário, um setor industrial, um setor de assuntos agrícolas, um setor bancário e uma seção de assuntos executivos. O setor de assuntos agrícolas era o responsável pela administração das fazendas Tōzan e Pinda, na cidade de Campinas. Nessas fazendas, a preferência era por mão-de-obra brasileira, e não japonesa.

  • Livro

    Assembléia Econômica do Império

    • Ver texto «Assembléia Econômica do Império»
  • Imagem «Relatório da Assembléia Econômica do Império»

    • Ver imagem «Relatório da Assembléia Econômica do Império»
    • Ver texto «Relatório da Assembléia Econômica do Império»
  • Publicações oficiais

    A Lei das Cooperativas no Ultramar

    • Ver texto «A Lei das Cooperativas no Ultramar»
  • Livro

    Detalhes da compra das terras pelo diretor-executivo Mitsusada Umetani

    • Ver texto «Detalhes da compra das terras pelo diretor-executivo Mitsusada Umetani»
  • Imagem «Mitsusada Umetani»

    • Ver imagem «Mitsusada Umetani»
  • Artigos de jornais / revistas

    Críticas às cooperativas de emigração

    • Ver texto «Críticas às cooperativas de emigração»
  • Imagem «Negociações entre o Ministério das Relações Exteriores e os órgãos diplomáticos sediados no Brasil a respeito das cooperativas de emigração ultramarina»

    • Ver imagem «Negociações entre o Ministério das Relações Exteriores e os órgãos diplomáticos sediados no Brasil a respeito das cooperativas de emigração ultramarina»
    • Ver texto «Negociações entre o Ministério das Relações Exteriores e os órgãos diplomáticos sediados no Brasil a respeito das cooperativas de emigração ultramarina»
  • Imagem «Da emigração controlada pelas províncias a uma emigração unificada: as mudanças na política emigratória»

    • Ver imagem «Da emigração controlada pelas províncias a uma emigração unificada: as mudanças na política emigratória»
  • Imagem «Escritório da BRATAC (terceiro andar à frente)»

    • Ver imagem «Escritório da BRATAC (terceiro andar à frente)»
  • Imagem «Correspondência de Mitsusada Umetani»

    • Ver imagem «Correspondência de Mitsusada Umetani»
    • Ver texto «Correspondência de Mitsusada Umetani»
  • Imagem «Panfleto da Federação das Cooperativas de Emigração Ultramarina»

    • Ver imagem «Panfleto da Federação das Cooperativas de Emigração Ultramarina»
  • Imagem «Panorama da cidade de Bastos (fotografia de outubro de 1937)»

    • Ver imagem «Panorama da cidade de Bastos (fotografia de outubro de 1937)»
  • Imagem «Rua Ipê, cidade de Bastos»

    • Ver imagem «Rua Ipê, cidade de Bastos»
  • Imagem «A ponte sobre o rio Tietê»

    • Ver imagem «A ponte sobre o rio Tietê»
  • Imagem «Estatísticas das quatro colônias mantidas pela BRATAC»

    • Ver imagem «Estatísticas das quatro colônias mantidas pela BRATAC»